A crise explicada a crianças de 4 anos

Muita gente me tem dito que, por muito que eu tente, não consegue perceber o que se passa nos mercados. Ok, vamos tentar uma abordagem diferente. 

Imaginem que têm uma empresa de compra e venda de berlindes! A vossa empresa de 10 mil euros de capital. O mercado de berlindes está óptimo. Aquilo sobe a 10 por cento ao ano e cada berlinde custa hoje 1000 euros (nota de rodapé: eu criei as condições para que o mercado de berlindes subisse mas ignorem por um momento isso). E vocês pensam “Ganda negócio… com 10 mil euros eu compro 10 berlindes e ganho 10% ao ano! Excelente”. Compram 10 berlindes: capital próprio 10 mil euros e activo 10 berlindes a 1000 cada um. 
Mas depois pensam assim: “epá… se eu conseguisse comprar mais berlindes é que era bom… se isto rebentar ali o Guilherme segura o barco! Ele faz sempre isso!”. Olham e vêem que podem pedir dinheiro a outros mortais com uma taxa de juro muito baixa no curto prazo (depois agradecem-me). Quando eles vos pedirem, vocês pagam dívida com dívida e continuam a jogar. E pensam: “lindo…ora bem, 10 mil euros… se eu pedir mais 90 mil euros, consigo comprar mais 90 berlindes!”. E assim fazem. 
Agora têm: 10 mil euros vossos, 90 mil euros de passivo (dívida de curto prazo) e 100 mil euros de activo (100 berlindes a 1000 cada).
Passa um ano e os vossos berlindes valorizaram. Agora valem 1100 cada um. E pensam, “Porreiro, fiz 100 euros por berlinde, são 100 berlindes, logo dupliquei o meu dinheiro…tenho 10 mil euros”. E heis que pensam outra vez, “Pera ai… se eu voltar a meter estes 10 mil euros e fizer a coisa outra vez, posso comprar mais 100 berlindes. Se correr mal, ali o Guilherme agarra… não há problema”.
Ficam agora com 20 mil euros de capital, 180 mil euros de divida e 200 mil euros em berlindes. Por ano podem fazer 20000 euros, porque os berlindes tendem a crescer 10%.

Agora, imagina vocês, que os berlindes eram uma bolha (eu andei a brincar com os juros, e induzi muita gente a pensar como vocês). E heis que eles começam a cair. Vamos ser simpáticos. Cairam 1%. Ora 1% de 200 mil euros são 2 mil. E vocês pensam, “Ai, perdi 10% do meu dinheiro, mas calma…isto vai parar, deixa cá mexer um pouco na contabilidade”. E os berlindes continuam a descer. Imaginem que já vão em 5%. Contas feitas já perderam 5% de 200 mil euros, ou seja, limparam 10 mil euros da vossa conta. Andam a brincar com a contabilidade para ninguém reparar mas na prática já perderam 50% do teu dinheiro.

E pensam “Vá…calma…ok vou vender isto… há quem compre!”. Opps, não há. É que os berlindes hj valem 1045, e tecnicamente o preço oferecido é menos – porque a malta sabe que os berlindes vêm por ai abaixo – mas vocês querem vender os berlindes a um valor não muito longe de 1100. Mas só vos oferecem 1000 ou 950. Bem, mas a esse preço vocês perdem tudo. Estão “insolvente”.

Ai vem a correr “Guilherme Guilherme tou lixado… tenho aqui os berlindes e ninguém mos vende” e eu digo-vos “Ok, estás a perder quanto?” e vocês, “Epah, 1000 euros por trimestre, daqui a nada fecho portas!” e eu respondo “Ok Ok, dá cá uns berlindes, toma lá os 1000 euros e aguenta-te ai”. E assim passa um ano: vocês vão-me dando berlindes em troca de dinheiro…mas os berlindes estão temporareamente na minha mão. Tecnicamente são vossos. Logo, continuam com problemas.

Ok, pelo meio, o resto da malta reparou no que se passava e perceberam o que se estava a passar com a tramoia dos berlindes. Ninguém vos empresta mais dinheiro! Estão contra a parede…

Ao que eu vou a um congresso pedir: “dêem-me lá uns 20 mil euros para eu tratar ali do rapaz coitado, senão é o fim do mundo como o conhecemos”. Mas eles não comem: ou não gostam da ideia, ou não têm dinheiro ou simplesmente já fizeram o 2+2=4. 

ual a solução? Bem, a tua empresa tem 20 mil euros de capital e 180 mil euros de credores (alavanca, 1-10).
O valor de mercado dela é 40 mil euros, por exemplo. Então chega eu e digo: Ok, acabou a brincadeira. Tomem lá 40 mil euros, e deem-me as acções todas. Ok, o vosso balanço agora tem 60 mil euros e 180 mil euros de dívida (entretanto os accionistas, vocês incluido estão a arder, mas a vossa alavanca diminuiu para 1-3). Eu quero apagar o fogo definitivamente, e pego na vossa divida. dos 180 mil, 100 mil são divida de curto prazo não segura (malta que tb não compreendeu bem o conceito de RISCO). Ok, esses eu não garanto: estão por vossa conta. Sobram os 80 mil de divida segura. Eu faço um air cut de 20%, ou seja, essa divida passa a 64 mil euros. Os 16 vão para capital. 
Têm agora: 74 mil euros de capital, 64 mil euros de divida que tem de ser cumprida e 100 mil euros de malta que pode arder. ratio de alavanca: 1-2 (saudável, para empresas não financeiras, se forem bancos podem ir até aos 10, mas isso é fora do exemplo).
OK. Eu pego no raio dos teus berlindes e coloco-as numa outra empresa, a preços muito baratos (750, por exemplo). Ai alguém pensa: “hum, berlindes baratos… deixa cá tentar a sorte!”. É especulador: se perder perdeu, se ganhou, bom para ele. Mas, sem os berlindes e com tudo reestruturado, vocês até têm um bom negócio. E ali dois concorrentes adoravam comprar o que sobrou. Eu digo “quem dá mais” e ele pagam-me, por exemplo, 50 mil euros. Porquê? Porque já não têm os berlindes a estorvar e a vossa divida foi reestruturada. São agora um grande negócio.
Eu começo a sair pela esquerda baixa: meti 40, ganhei 50. Os accionistas e credores junior pensam: noutra não me meto tão cedo, e vocês pensam “para a próxima já sei: o Guilherme não é assim tão simpático!”.

Percebem agora?

Chamem à empresa Fannie Mae, AIG, Goldman Sachs, chamem-me a mim Reserva Federal e coloquem bastantes zeros nos valores e uns mecanismos um pouco complexos e ai têm a trapalhada… 

Bem vindos ao mundo da alta finança! 😉

Crashou!

Tecnicamente foram 770 pontos no Dow Jones, mas isso é um mero promenor. O “plano Paulson” foi rejeitado e o mercado reagiu!
A proverbial “60 milion dollar question” é, há saída? Há! E tem estado sempre à frente do nariz (e muitos tem sido bastante verbais sobre a mesma). Segue um pequeno “road map”:

Atirar dinheiro ao problema não é a solução. Não contando com os 700 mil milhões de dólares do Bailout, já foram “atirados” 1,5 biliões de dólares pela Reserva Federal. São 10% do PIB dos EUA! O problema base do raciocinio era este: atira-se dinheiro até os preços dos activos que estão a corroer os balanços dos bancos recuperarem, para níveis que sejam sustentáveis para os seus balanços. O problema é que só daqui a 10 anos é que isso vai acontecer!
O “ataque cardiaco” que todos falam nos mercados de crédito deu-se aquando da falencia da Lehman Brothers, quando se viu um buraco de 110 mil milhões no balanço. Basicamente, eles estavam a preçar mal os seus activos. A questão surgiu: quem mais tem este problema? A pergunta deixa de ser “quem é liquido?” e passa a ser “quem é solvente?”. E o mercado pura e simplesmente deixa de funcionar!

A única maneira de desbloquear o “impasse” é colocar as cartas na mesa – e admitir que uma parte do sector bancário norte-americano é de facto insolvente.

O Estado entra com injecções de capital. Em troca, pede acções preferênciais no mesmo valor. Isto torna a coisa mais “simples”: não é o contribuinte a investir, é o contribuinte a servir de agente para uma troca – o dinheiro dos accionistas entra para dentro das contas. Depois, segura-se a dívida senior (a primeira na linha de recepção aquando duma falência, e exactamente aquela que ficou “branca” quando viu a Lehman Brothers) a um nível perto dos 80 centimos. Isto significa cerca de 20% de “hair cut” a serem reduzidos na divida (ou seja, por cada dólar emprestado podem receber de volta 80, o que é o normal que divida senior recebe em caso de falência! o problema foi que na Lehman, receberam 12 centimos por cada dolar emprestado).

Divida junior permanece em risco. Há uma lição a ensinar aqui: divida junior (em especial de curto prazo, a grande causa da alavancagem excessiva dos bancos) é arriscada. Com esta medida, o “premio de risco” deste tipo de dívida sobe, para os actuais e futuros “gigantes”. Pensem num “imposto” que o mercado impõe ao tamanho. Quanto maior, mais “imposto”. Isto levantará capital suficiente para “desalavancar” estes balanços. Em vez de termos empresas que, por cada 40 ou 60 dólares que têm, 49 a 59 são emprestados, passamos a ter empresas em que por cada 10 dólares apenas 9 são emprestados. 

O próximo passo é limpar a casa. Assumir as perdas e usar o que na gíria se chama o esquema “good bank/bad bank”: todos os activos que estavam a corroer os balanços são retirados para uma nova holding (o “bad bank”), e o que sobra (o “good bank”), passa a ter um balanço possível de gerir sem um buraco negro. Deste modo, o interesse privado volta a ressurgir: dado que toda a gente sabe onde anda o lixo (no “bad bank”), passa a haver ofertas pelo “good bank” (quem não quer ser dono da Goldman Sachs ou da Morgan Stantley? Consigo pensar em 4 ou 5 bancos europeus e asiáticos que se matavam para ter a oportunidade!). Assim o Estado sai de cena, vendendo as suas acções preferenciais (a probabilidade de as vender com lucro é muito muito alta).
Sobra o “bad bank”. O problema daquele lixo nunca foi falta de compradores. Muitos especuladores estavam interessados. O problema era que não estavam dispostos a pagar “prémios” de 50 ou 70% aos bancos, e estes não podiam vender a preços “verdadeiros”, porque senão faliam. Havendo o “bad bank”, está lá tudo à mostra para nos próximos anos haver propostas de especuladores (e haverá quem estará disposto ao risco, é por isso que os especuladores recomendam-se para o bom funcionamento do mercado).

Resta a Europa! O Trichet fala hj às 17h (embora não apostaria numa descida das taxas de juro). Se o plano que foi chumbado fosse para frente, as taxas de juro nos EUA iriam subir (mais oferta de obrigações face à procura = preço desce = taxas de juro sobem) e iria colocar o dólar sobre uma enorme pressão, dólar esse que só tem sido agarrado devido aos esforços do BCE, Banco do Japão, Banco da Russia, Banco da China e os Bancos do Golfo Pérsico. Não teriam força para aguentar a pressão, e ficariam acorrentados à espada da inflação a 2 digitos e um mercado de crédito moribundo.

Seguindo o plano acima, o mercado de credito de curto prazo desbloqueia porque já se sabe quem tem o quê – em última análise, responde-se à pergunta do momento, o “quem é solvente”. O BCE cumpriu muito bem o seu papel nesta crise. Aguentou o dólar comprando reservas e fazendo “swaps” com a Reserva Federal, não baixou as taxas de juro, pelo que, dada a corrida às obrigações europeias, as taxas de longo prazo por cá estão mais baixas. Isto dá espaço para a consolidação de balanços de empresas e familias para o longo prazo (se tivesse baixo as taxas de juro, estaria na mesma situação da Fed: taxas de longo prazo a subir ao mesmo tempo que as taxas de curto prazo rebentam com a tensão). Restou apenas ao BCE fazer a gestão de liquidez. E ai reside a diferença: os EUA têm um problema de solvência, a UE tem um problema de liquidez! 

Com os mercados desbloqueados, os bancos podem agora reconsolidar os balanços, e os que não conseguirem temporariamente continuam a dispor das facilidades de liquidez criadas em Agosto de 2007. Os pequenos que possam falhar – e note-se que a Fortis, no big picture do BCE não era um evento “sistémico”, além de ser expectável – deverão ser tratados caso a caso, da mesma forma que os americanos.

Um ultimo apontamento:
Este plano acima descrito não tem nada de “inovador”. É o “modelo nórdico”, considerado o exemplo de como lidar com uma crise bancária sistémica, originada por uma bolha de crédito e imobiliário [para os que gostam de história, ver a Suécia e a Finlândia de 1992 a 1996, o tempo que eles demoraram a recuperar para os níveis de preços que tinham ou a Coreia do Sul em 1998/2001 para um exemplo mais “market oriented” mas com a correspondente “violência” no ajustamento].
O modelo que Paulson ia usar é conhecido como a “doutrina Japonesa” e foi usado em apenas 7 de 42 crises bancárias (México, Rep. Checa, Jamaica, Japão, Bolivia, Paraguai e Malasia), com resultados maus para a economia e para o contribuinte – demoraram todos cerca de 10 anos a recuperar os estragos. 

Europa vive com tempo emprestado? (a sequela)

Existe uma enorme diferença entre insolvência e falta de liquidez. Tal como explicado no post anterior, grande parte dos bancos norte-americanos estão neste momento insolventes – e alguns já falharam, outros estão a ser atirados para casamentos forçados.

No entanto, o cenário europeu é bastante diferente (tal como já tinha explicado aqui). Antes de mais, uma “montanha” semelhante à do gráfico do post anterior, está circunscrita a apenas alguns países – notavelmente, Espanha e Irlanda (e fora da “zona Euro”, o Reino Unido) – por contrapartida do imobiliário Alemão e Francês, relativamente estaveis.  Mas dúvidas permanecem depois de um artigo do Finantial Times e, em especial, depois do fim semana termos assistido a operações de “salvamento” de 3 bancos europeus: o inglês Bradford & Bingley, o belga Fortis e o alemão Hypo Real Estate.

 O gráfico abaixo é muito simples de ler: os bancos foram organizados por um múltiplo – capitalização de mercado a dividir por divida total em circulação. Basicamente, estão hierarquizados por grau de alavancagem: quanto mais alto, mais perigoso.

Múltiplos de alavancagem por capitalização

Múltiplos de alavancagem por capitalização

 

Como se pode ver, os 3 ilustres “resgatados” deste fim de semana estão no topo da tabela com ratios de alavancagem bastante elevados. Outro ilustre nome prestes a “rebentar” parece ser o alemão Deixa. Com estes níves de alavanca, não é muito dificil ser-se insolvente. Usando a Hypo Real Estate, o mero movimento de 2 por cento nos portfolios sobre gestão garante que se vai perder 92 por cento, via alavancagem. Jogo algo perigoso, para quem não tinha depósitos, ou tinha uma base pequena o suficiente: uma pequena pró-ciclicidade no balanço implode com o mesmo.

No entanto, os “grandes” europeus – BBVA, HSBC, Deutsche Bank, … – não estão numa situação tão problemática. Não se trata de um problema de solvência nestes casos. Obviamente, que não estou a dizer que a Europa está isenta de problemas! Mas estes são intrinsecamente diferentes: são um problema de liquidez. Veja-se a tabela abaixo:

Alavancagem de curto prazo

Alavancagem de curto prazo

 

É o mesmo raciocinio do anterior, mas desta vez só contamos com dívida de curto prazo – inferior a 1 ano – que tem de ser “rollada” no mercado (ou seja, recomprada e revendida, na sua maturidade). Outra vez, por exemplo, os senhores da Bradford & Bingley voltam a estar na ribalta. Esta dívida tinha de ser “rollada” nos mercados de crédito (aqueles que estão parados), pelo que, não podendo e tendo um balanço insolvente, tiveram que ser salvos. E embora o balanço do Deutsche Bank, por exemplo, também contenha um grau elevado de dívida de curto prazo – 24 por cento da sua market cap – não só é algo que se pode gerir – pois não têm um grau elevado de alavanca de longo prazo – como, num caso extremo, o BCE pode cumprir a sua função de “Banco de último recurso”, facilitando liquidez temporária aos bancos, em troca de activos que eles tenham.

Porque é que o plano Paulson vai falhar…

Parece que o Congresso dos EUA finalmente se pôs de acordo no que diz respeito ao “Plano Paulson”. O plano a ser aprovado esta semana vem com umas pequenas alterações ao original. Em vez de 700 mil milhões de dólares, o novo plano prevê que o dinheiro seja entregue em tranches – a começar com 250 mil milhões de dólares iniciais – ao mesmo tempo que os ordenados dos gestores serão limitados. De 3 passa para 106 páginas cheias de soluções, entre as quais a suspensão do “mark to market” – ou seja, os bancos deixam de ter de reconhecer os preços actuais dos seus activos, e passam a poder usar os preços históricos, neste caso mais elevados – e podem usar as reservas que eram obrigados a manter na Reserva Federal.

Funcionará? Na minha opinião, a resposta é um grande “não”! O problema está no gráfico abaixo:

Imobiliário norte-americano

Imobiliário norte-americano

A “montanha” é o mercado imobiliário norte-americano. Aqui reside o verdadeiro problema. De uma forma simplista, estamos do lado errado da montanha. O problema é que a “saúde” do sistema financeiro depende do preço de pico do imobiliário. A caterva de derivados que hoje estão a corroer os balanços bancários são viaveis no pico, não na base da montanha. 

O erro fundamental do Plano Paulson é não admitir isto: que os preços das casas vão (de facto, têm de) descer. E ainda nos falta pelo mais 10 a 20 por cento de descida, o que pode demorar 5 a 8 trimestres (1 a 2 anos). O plano Paulson não faz mais que comprar activos que continuam sobreavaliados, na fé de que o mercado está errado, e a montanha não cai. Seria o equivalente a dizer em 2001 que sites que valiam mais que PIBs de pequenos países eram avaliações justas e não uma bolha.

Outro grande problema é que estamos a seguir – embora de forma mais rápida – a doutrina japonesa. O Japão teve, grosso modo, o mesmo problema: um sector bancário alavancado em empréstimos em falência, suportados por uma bolha imobiliária de proporções assustadores (um metro quadrado ao pé do palácio imperial valia tanto quanto Manhattan inteira!). Porquê? Devido a décadas de “políticas activas” que, de uma forma simples, externalizaram o risco. Este não tinha de ser gerido, era competência do Estado que o fazia activamente! Quando a “montanha ruiu” – elas invariavelmente caiem – o sistema ficou sem “chão”. E os japoneses seguiram um plano simples: comprar os empréstimos em default (Non Performing Loans na gíria da gestão financeira) como dinheiro público, injectar dinheiro nos bancos sem contrapartidas e esperar pelo recuperar dos preços. O problema é que estes nunca recuperaram! Pelo meio, a politica monetária do Banco do Japão – em fase ultra-expansionista tal como a Reserva Federal no momento – perdeu toda a sua eficacia: a famosa e infame “armadilha da liquidez” de Keynes, antes um conceito teórico, era uma realidade vivida. O resultado? Um sistema financeiro zombie, agarrado pelo Estado, e 15 anos de crescimento perdido (no que seria depois conhecido como a “década perdida”). O plano Paulson segue exactamente a mesma linha de pensamento…

 

Existe um ditado entre quem negoceia na bolsa: “come as tuas perdas antes que elas te comam a ti!” É um erro básico em que todos acabamos a cair. Temos uma perda, e em vez de reduzir-mos os prejuizos, apostamos tudo naquele “movimento mágico que vai recuperar tudo, quando o mercado voltar a subir e nos der razão!”. Esta história acaba sempre, invariavelmente, da mesma forma: um buraco na carteira!

Parece familiar? Pois é! É exactamente isto que os japoneses fizeram – e pagaram por isso – e é exactamente isto que os americanos se preparam para fazer. Colocar dinheiro dos contribuintes para aumentar a conta, “naquele trade mágico que vai recuperar tudo, quando o mercado imobiliário voltar ao nível onde estava”. O problema é que, para isso, vão ser precisos qualquer coisa como 10 anos, assumindo que já batemos no fundo… o que ainda não fizemos!

Mercados de crédito parados…

Enquanto andamos todos entretidos com a discussão no congresso dos EUA – e a discutir se isto é ou não o fim de liberalismo – estamos a tirar os olhos da proverbial “bola”, a Libor-OIS spread.

Para quem não é familiar com estas expressões, a Libor-OIS spread é a medida usada pela Reserva Federal para medir o “pulso” ao mercado interbancário. Básicamente, é o prémio de risco pago por empréstimos em dólares, face á swap “diária” do dólar. Em português, quanto tem de se pagar de risco para se emprestar em dólares a outros bancos.

Obviamente, quanto mais alto o valor, maiores os medos – eu peço maiores prémios de risco se tenho medo que a pessoa a quem “empresto” é mais arriscada. O gráfico no fim deste post é ilustrativo: a linha sobe na vertical! 

As consequências são bastante simples: os bancos não estão a emprestar uns aos outros. Para quem possa pensar “e o que é que isso tem a ver comigo?” a resposta é ainda mais simples: tudo!

O mercado interbancário é onde os bancos emprestam dinheiro uns aos outros para gestão de liquidez diária. A taxa de juro destes empréstimos (Libor nos EUA, Euribor na UE e Tibor no Japão) é o que estabelece a taxa de juro para todos os mercados. [Sim, o BCE não estbelece esta taxa por decreto, ao contrário do que é “vendido” por aí].

Mas a grande pergunta aqui não é “o quê?” mas sim “porquê?”. Numa frase simples, os bancos pura e simplesmente não confiam uns nos outros. Note-se que, durante o último ano foi sendo feita uma brincadeira (eu diria fraude, mas vamos ser “simpáticos”):

Na ausência de preço “publico”, os bancos foram autorizados a fazer “mark to model” no que hoje é conhecido como “lixo tóxico”. Ou seja, “façam lá um modelo para dar um preço que vos convenha”. Isto chama-se, segundo os standards contabilisticos deles, Level III accounting (sendo Level I, mark to market, Level II mark to observable inputs).
Por exemplo, a Goldman Sachs tinha em Agosto último 72 mil milhões de dólares nesta conta. A conta de capital próprio, por exemplo, só tem pouco menos de 50 mil milhões de dólares. Ora, os valores actuais em Level III em wall street “assumem” um preço médio de 70/80 centimos por cada dólar de “activos manhosos”.

A wake up call foi a falência da Lehman Brothers. Quando uma empresa abre falência, os detentores de obrigações colocam-se em fila para receber o seu “quinhão”. Normalmente, sofrem perdas. Mas, numa empresa estilo Lehman Brothers, não sofrem muito. Por cada 1 dólar emprestado, Secured Debt recebe em média 75 centimos. O problema foi que, os 110 mil milhões de dólares em Secured Debt passaram de 95 centimos para 12 centimos (ou seja, por cada 1 dólar, perderam 88 centimos). Com a Unsecured Debt a valer essencialmente zero, isto mandou um sinal claro como água: havia um buraco de 110 mil milhões de dólares no balanço da Lehman Brothers.

Pode isto acontecer sem ser fraude? Não! E os bancos sabem isto melhor que ninguém…e heis que se lança a dúvida: quem mais andou a brincar com os números?!

Dado que os Bancos Centrais não promovem a resolução do problema – injecções de liquidez são o equivalente prático a dar heroina a um viciado, para combater a dor de cabeça da ressaca inicial – os bancos estão a tentar o mais possível esconder isto. E em caso de dúvida, não há dúvida: não sei quem tem o lixo mal “marcado”, então não empresto a ninguém! E heis que o mercado de crédito interbancário congela, levando consigo o mercado de papel comercial (obrigações com maturidade inferior a um ano, usadas por empresas não-financeiras!). 

Enquanto a Reserva Federal não se deixar de “injecções” e não exigir aos bancos os seus reais valores – e no limite, tomar conta da “loja” eliminando total ou parcialmente os accionistas – não vamos sair destas tensões.

 

Fica o gráfico:

Libor-OIS Spread em máximos

Libor-OIS Spread em máximos

Moisés, Deus e os mercados

O debate sobre o Bailout norte-americano continua a dar que falar. Em baixo, um comentário humoristico, mas com alguma verdade de fundo:

“We will be told that the Federal Reserve and the Treasury have finally gotten it right. The scope and size of the proposed program will arrest the decline in home prices, restore stability to the financial markets, enable banks to get back to the business of lending, and restore the confidence of the American consumer. 

While the program certainly has each of these points as a goal, the amount of time to achieve each goal is unknowable, but an important factor. Moses was told he would lead the Jews to the Promised Land. He didn’t know it would take 40 years. And, in all due respect to Bernanke and Paulson, Moses was working with God. They are working with Congress.

-Jim Welsh, Welsh Money Management”

Economia bem ou mal passada

Num dos últimos posts, referi que Bush não é o exclusivo responsável por esta crise. É tão culpado nesta trapalhada como o Clinton e o Carter , que assinaram a legislação que obrigava os bancos a fazer empréstimos ao sector “subprime ” dos consumidores americanos, sem poder cobrar juros adicionais.

Por muito nobres e bem intencionados que foram (ou talvez, simplesmente eleitoralistas e populistas), esqueceram-se duma regra básica: risco pagasse! Mas na impossibilidade de “cobrar” esse prémio de risco, surgiu uma invenção: o modelo originação e distribuição (a base do Subprime ). A culpa não morre mesmo solteira em Wall Street , nem foi uma invenção deles. Esta apenas criou os instrumentos para tornar regulação “idiota” dos srs. Carter, Clinton e Bush filho, execuivel.

Mas indo um pouco mais à base do problema, a questão de fundo é um pouco mais grave. Há pouco um amigo meu falou na “minha linha de economia” e aqui reside o problema (e culpa dos economistas).

Mercados financeiros são sistemas complexos, onde regulação é uma actividade extremamente perigosa. Politica monetária é altamente “viciante” e pode ser o equivalente a fazer uma “queimada controlada” no meio do pinhal de Leiria…com Napalm!!
Banir o short-selling – como foi feito na sexta feira – é o equivalente prático a tentar matar um mosquito com um canhão… acertando na bilha de gás que está um pouco mais atrás! (alias nota-se : os mercados estão extremamente violentos nos últimos dias).

Qualquer economista honesto vos sabe dizer isto! Se for honesto claro está! Se eu for a um congresso do meu partido apresentar uma moção a dizer “recessões são necessárias e não se deve brincar com taxas de juro”, consigo uma proeza: uma moção lida e chumbada! Se eu sugerir para um programa eleitoral medidas difíceis , a probabilidade de ser “editado” (cortado!) é alta. Se não for, a probabilidade de não ser eleito é ainda maior!

Então eu “dobro” um pouco a teoria. É fácil em economia: é uma matéria já de si complexa, e um com um pouco de formalismo matemático eu consigo fazer 2+2=5 (com erros lógicos no meio, mas para o olho “não treinado” passa muito bem!). Se juntar mais uns quantos pressupostos, o pacote está feito. A coisa funciona, num aquário…

E vou dar um exemplo de como fazer isto:
A economia é um sistema. Como qualquer sistema complexo tem um “mecanismo de correcção de erros”, que serve um propósito de “auto-preservação” do sistema. Para quem não está a acompanhar, pensem no vosso corpo. Os vossos nervos servem esta função. Quando algo está errado e coloca em causa a “estabilidade estrutural” do mesmo, sentem dor. O sistema nervoso é o vosso sistema de correcção de erros.
Mesmo que não saibam que lume queima, se lá meterem a mão vai-vos doer, e instintivamente vão aprender: quem brinca com fogo queima-se. Agora, hipoteticamente, imaginem-me a mim (o “economista ao serviço da causa pública”) com uma seringa com uma dose bem grande de morfina. Começa a dor, mas eu digo-vos “não te preocupes… toma lá um pouco de morfina”. A dor desaparece, e vocês continuam lá com a mão alegremente.
Obviamente que daqui, depois de algumas injecções – a morfina só dura certo tempo – vocês vão “viciar”, e vai perder efeito. A única questão que resta descobrir é: querem mãozinha bem ou mal passada?

O economista com a morfina chama-se “politica monetária estabilizadora do ciclo”. Ou seja, eu dou-vos morfina. Baixo os juros. Injecto capital a custo zero. Mantenho o sistema a correr. Estou, para todos os efeitos, a eliminar o processo de correcção de erros: a recessão. (em troca, sou eleito para ministro das finanças, FMI, BCE ou qualquer tacho… quando o efeito passar, eu já cá não ando… pensem “Greenspan” e percebem o que estou a tentar dizer!).

A única questão que sobra é: “querem a economia bem ou mal passada?”

Europa vive com tempo emprestado?

[Nota prévia: este post foi um pedido de um comentador, sobre um artigo do Finantial Times publicado ontem e replicado pelo Diário Económico]

 

O artigo pretende ilustrar que, apesar de tudo, os bancos europeus têm tantos ou maiores problemas que os norte-americanos. No limite, concluí o autor, estamos a “viver com tempo emprestado”.

A determinada altura o autor refere:

The crucial problem on this side of the Atlantic is that the largest European banks have become not only too big to fail, but also too big to be saved. For example, the total liabilities of Deutsche Bank (leverage ratio over 50!) amount to about €2,000bn (more than Fannie Mae) or more than 80 per cent of the gross domestic product of Germany. This is simply too much for the Bundesbank or even the German state, given that the German budget is bound by the rules of the European Union’s stability pact and the German government cannot order (unlike the US Treasury) its central bank to issue more currency. Similarly, the total liabilities of Barclays of around £1,300bn (leverage ratio 60!) are roughly equivalent to the GDP of the UK. Fortis bank has a leverage ratio of “only” 33, but its liabilities are three times the GDP of its home country of Belgium.

 

O que o autor ignora é que, embora com alavancagem ainda excessiva, o problema europeu não é exactamente o mesmo. Por um lado, os balanços dos bancos europeus são menos sensiveis ao ciclo – menos “pró-ciclicos” – exactamente porque na Europa funcionamos com o conceito de “grande banco” com várias divisões: banca comercial (depósitos) e banca de investimento.  Os movimentos em cada parte do ciclo, nestas duas áreas do balanço, tendem a anular-se (como eu expliquei aqui)

Isto porque, alavancagem não é intrinsecamente má! Ela apenas magnifica perdas e ganhos no balanço (neste caso dum banco) e aqui a pergunta que deve ser feita não é só “qual é o ratio?” mas também “qual é a correlação entre os diversos activos?”

 

Vamos simplificar um pouco (e pelo meio, dar uma pequena introdução a gestão de risco):

Eu quero investir e para isso desenvolvo uma estratégia, ou seja, decido uma “política de alocação”. De uma maneira mais corriqueira: quanto apostar em cada volta e em cada activo! Se eu apostar 100% do meu capital num único activo, eu vou perder tudo. A questão é somente quando. Mas, se eu apostar 10%, por exemplo, o valor esperado torna-se positivo (na maior parte dos activos, como acções por exemplo, ou até num simples jogo de “moeda ao ar”). Ou seja, eu ganho consistentemente sem o risco de falência. Posso me alavancar? Não! Se eu me alavancar num ratio de 10x, o efeito perder-se-á: é como se eu tivesse voltado atrás e aposta 100% num activo. A única questão que sobre é o “quando vou à bancarrota”.

 

Existe no entanto uma altura em que eu me posso alavancar: se as minhas apostas individuais não forem positivamente correlaccionadas (se forem não correlaccionadas ou independentes também serve). O que quer isto dizer? simples: correlação positiva entre dois activos é quando um toma direcção A o outro segue na mesma direcção. Nós queremos o oposto: que eles se anulem (ou não mexam ao mesmo tempo).

 

Nestas condições, eu tenho um conjunto de “políticas de alocação” que no global ou não mexem na mesma direcção ou simplesmente não mexem umas com as outras. Pensem num jogador num casino:se eu jogar 100% numa mesa de blackjack, a questão é “quando é que eu vou perder”. No entanto, se eu jogar 10% em 10 mesas (o que na prática equivale a “alavancagem”) eu não vou à ruina. Isto porque, as mesas de blackjack não estão correlaccionadas. Quando se perde numa, isso não significa que se vá perder nas outras 9!

 

Voltando à banca europeia, este é o ponto que o Finantial Times se esqueceu (em abono da verdade, é um tema que não se aprende na faculdade mas sim, na gestão de um portfólio de mercado, por experiência acumulada). Não só os valores da banca norte-americana não são comparaveis à banca europeia (Wall Street não tinha, por exemplo, um balanço de depósitos onde “cair”, o que os levou à falência, ao contrário de por exemplo, o Deutsche Bank ou a UBS) como a correlação dos activos não é a mesma nos balanços.

Os EUA estão numa generalizada deflação de activos global – fruto da desalavancagem do sistema bancário – e neste momento, estão todos positivamente correlacionados: mercado imobiliário desce, capital próprio das familias desce, perdas de credito aumentam, credito futuro diminui, acções descem, e por em diante. Esta “pró-ciclicidade” não se verifica na Europa. Em primeiro, não tivemos a bolha que os EUA tiveram no mercado imobiliário. Em segundo lugar, o consumidor europeu não está tão “esticado” – temos uma taxa de poupança positiva de 10 por cento, enquanto eles têm uma poupança nula – e, em terceiro lugar, os depósitos são independentes, tal como as mesas de blackjack.

 

Esta é a razão de existir do sistema fraccional: a única razão para um banco entrar em falência é o seu balanço  ficar “positivamente correlaccionado”. No caso de um banco tradicional, uma corrida aos depósitos na mesma altura. Existem  problemas na Europa, como é óbvio. Mas é mais uma crise de liquidez: os bancos necessitam de liquidez adicional de modo a reduzirem os seus balanços e suportarem algumas perdas – algo que tem sido providenciado pelo BCE com uma taxa de juro – mas não existe a componente ciclica dos balanços dos grandes bancos, pelo menos não na medida em se verifica nos EUA.

 

Qualquer dúvida, a caixa de comentários é vossa!

Realidades de papel

It is becoming clear that Bernanke simply does not get it. Just as he once thought subprime was contained, and has continued to misread the nature and trajectory of the credit crisis, so too he has said that there is a way out of it that involves little or no cost in terms of growth. I’ll be charitable and assume he is deluded rather than being dishonest. “

Yves Smith, Naked Capitalism

A senhora citada acima não é estranha a Wall Street. É uma antiga “banqueira de investimento”, no ramo desde 1980, com o curso tirado em Harvard. O Naked Capitalism é um dos melhores blogs financeiros da praça (para mim uma “leitura” matinal e aconselho vivamente aos mais interessados nestas matérias que passem por lá para melhor compreenderem o que se passou e o que se está a passar). 
A frase acima citada, ecoa um sentimento partilhado por vários bloggers financeiros de referência (Brad Setser, Barry Ritholtz,…), economistas que viram a crise a aparecer em 2005 (Nouriel Roubini, Keneth Rogoff,…) ou mesmo Bill Poole (Ex-Governador da Reserva Federal de Dallas, que em 2005 avisou que as Goverment Sponsored Enterprises estavam falidas).

“At this juncture, the book is still open on the how the current dislocations in the United States will play out. The precedent found in the aftermath of other episodes suggests that the strains can be quite severe, depending especially on the initial degree of trauma to the financial system (and to some extent, the policy response). The average drop in (real per capita) output growth is over 2 percent, and it typically takes two years to return to trend. For the five most catastrophic cases (which include episodes in Finland, Japan, Norway, Spain and Sweden), the drop in annual output growth from peak to trough is over 5 percent, and growth remained well below pre-crisis trend even after three years. These more catastrophic cases, of course, mark the boundary that policymakers particularly want to avoid.”

O “paper” acima citado não foi feito ontem. Foi feito em Fevereiro deste ano. E ilustra de uma forma razoavelmente simples, inclusivé para “não economistas” ou para “economistas amadores”, como esta crise não é diferente. Também ilustra um simples facto que tem de ser admitido de uma vez por todos: 
Não será possível evitar uma recessão nos EUA. Esta é alias necessária. Os EUA estão hoje demasiado endividados ao exterior, com uma posição externa insustentável. A única razão pela qual o dólar ainda não cavou um buraco até ao outro lado do planeta (desculpem-me a expressão) é o seu (ainda) estatuto de moeda de reserva, o que, em português corrente significa que os bancos centrais à volta do mundo têm suportado aquela dívida e aquela moeda.
Não estamos a falar de trocos. Só no último ano, os bancos centrais dos países do Golfo Pérsico, União Europeia, China e Japão, mantiveram o “motor de crédito norte-americano” a funcionar. Esta foi a única razão, não a política da Reserva Federal. Os dados são públicos (Flow of Funds Data) e mostram que os EUA têm qualquer coisa como 16 biliões de dólares de divida privada. O que os bancos centrais do resto do mundo na prática têm feito é emprestar dinheiro ao consumidor norte-americano para pagar os juros deste ano (no que Brad Setser, ex-economista do Tesouro Norte-Americano e do FMI, durante a crise asiática, chama de “quiet bailout”). Ao todo, só este ano, o resto do mundo “emprestou” 1000 dólares a cada americano para este servir a sua dívida e manter os mercados de crédito a funcionar.
A única forma de resolver a situação de forma definitiva é aumentar a poupança (e reduzir divida constitui um acto de aumento de poupança) e a única forma é reduzir o consumo. Uma recessão é não só inevitável, como desejável. Não há “boas” soluções para este problema. 

Agora, vamos ser honestos aqui: o recente plano da Reserva Federal é, no minimo, ingénuo. A Reserva Federal quer dar (estão a ler bem, dar) 700 mil milhões de dólares a Wall Street. Para quem têm dúvidas, leiam este post que escrevi sobre o plano, opinião partilhada cada vez por mais pessoas, senadores incluidos. Surge uma pergunta lógica: 
Estará o resto do mundo, leia-se bancos centrais, dispostos a financiar? A verdade é que esta matéria – financiamento dos EUA à custa das reservas de cada país – começa a ser cada vez mais criticada em países como a China e o Japão. E mesmo que estejam, estamos a falar de mais 2000 dólares por americano, em cima dos já 1000 dólares já “entregues”. Alguém é ingénuo o suficiente ao ponto de pensar que a taxa de juro exigida não vai subir? 
Não se esqueçam que a taxa juro “indexante” por terras de Tio Sam é a maturidade longa acima de 10 anos – OT a 10 anos e a 30 anos – ao contrário de, por exemplo, a maioria das hipotecas em Portugal.

O erro de Bernanke é a solução que ele, académicamente, acredita ser a melhor. Para ele, o erro japonês foi não ter sido agressivo o suficiente no corte de taxas de juro o mais rápido possível e no auxilio aos balanços bancários. Fora as considerações de risco moral, este raciocinio tem um erro fundamental (sim, estou a arrogar-me ao direito de dizer que um doutorado está errado!): esta crise é uma de desalavancagem (tal como no Japão, entre outras crises semelhantes) e nestas condições o problema não é induzir o consumidor a consumir a crédito – já de si uma aventura perigosa que foi a principal causa deste problema. O problema é induzir os bancos a emprestar. E estes não têm essa capacidade. Toda a liquidez “oferecida” pela Fed (a contagem já vai em 800 mil milhões, e se juntarmos os 700 mil milhões, fazemos 10 por cento da economia norte-americana) é totalmente absorvida por um buraco negro. Outra questão essencial é que, a resposta depois dos anos 30 também não se aplica:
1. Foi feita depois dos activos corrigirem, habitação incluida, algo que ainda não aconteceu nos EUA – o imobiliário ainda está 25 por cento acima da média que devia;
2. Na altura os EUA não tinham a moeda de reserva, pelo que a subsequente desvalorização do dólar não era “inflaccionária” pelo lado as importações.

A politica actual da Fed não tem feito nada para ajudar o norte-americano. Muito pelo contrário, colocou-o numa situação ainda pior. Então qual deveria ser a solução adoptada? Antes demais admitir que não é possivel “evitar a bala da recessão”. Esta é, inclusivamente, necessária de modo a reconstituir a poupança. Simplesmente, os americanos consomem demais.

E sobre Wall Street? Aqui fica a minha sugestão:
Temos três problemas básicos aqui em funcionamento – alavancagem excessiva, promovida pelas taxas de juro baixas dos últimos 20 anos e dando origem a empresas “grandes demais para falhar”, mercado imobiliário a corrigir e o mercado de Credit Default Swaps.
Antes demais, identificar as empresas “grandes demais para falhar”, algo que não é muito dificil de avaliar. Recapitalizar as instituições trocando capital próprio (acções) pelo dinheiro dos contribuintes (a usar a solução “bailout”, ao menos que se faça como deve de ser). Podem colocar a questão – tal como Bernanke colocou no Senado, ontem – de que os bancos não vão querer participar. Desculpem meus caros mas, neste caso, não devem ter escolha!
Os accionistas actuais seriam “eliminados” (ou seja, o valor de mercado da empresa seria transferido para o balanço da empresa, recapitalizando-a). Em alternativa, para não ser muito mau, podem dar aos accionistas “deep out of the money warrants” (basicamente, para leigos: opções de compra futura de acções com o preço muito afastado do preço actual, de modo a dar incentivos aos accionistas e gestores, de modo a recuperar o dinheiro, a portarem-se bem). A dívida necessita, obviamente de ser reestruturada. Junior Debt apanha com uma “corte de cabelo” profundo (chama-se na giria “debt haircut”, ou seja, divida que vale hoje 100, é cortada, e passa a valer 80, seria um “hair cut” de 20 por cento). Isto porque os obrigacionistas também têm que aprender uma coisa: risco pagasse e due dilligence é essencial.
Senior Debt (a primeira na linha de “pedidos” em caso de falencia) também é reestruturada: Secured Senior Debt deixa de ser Secured (ou seja, deixa de ter um “hipoteca” sobre o balanço). 

Este processo tem duas consequências: permite que empresas alavancadas em ratios de 1 para 40, se recapitalizem (à força, admita-se) e desalavanquem para ratios próximos do 1 para 4, e torna as obrigações destas empresas mais “inseguras”. Isto tem um efeito benéfico: se há coisa que se aprendeu, ou se devia ter aprendido em 1998, foi que instituições demasiado grandes são uma “externalidade negativa” para o sistema. A reestruturação acima tornaria as obrigações de empresas “potencialmente grandes de mais para falhar” demasiado arriscadas, subindo o seu prémio de risco. Seria uma especie de “imposto de mercado sobre o tamanho”, limitando o crescimento de futuros “gigantes alavancados”.

Sobra uma questão: Credit Default Swaps (CDS). São basicamente seguros sobre créditos, mas infelizmente são transaccionadas em Over The Counter – mercados não públicos. A questão aqui não é contra mercados OTC, mas sim tamanho. Muitos produtos quando passam de determinado tamanho, deixam de ser OTC. 
O mercado de CDS hoje vale 62 biliões de dólares (por comparação, o PIB mundial vale 55 biliões de dólares e o crédito total vale 31 biliões de dólares, logo algo vai mal aqui). O problema, além do tamanho é, dado que é OTC, não há “backoffice” centralizado. Ou seja, ninguém sabe quem deve o quê a quem. Obviamente que quando uma empresa grande cai, ninguém sabe quem tem de pagar o “seguro”, a Credit Default Swap, logo dão-se desvios sistémicos.
É preciso pegar neste mercado, traze-lo a público, fazer a reconciliação de ordens – ver quem deve o quê a quem – e recolocar o mercado a funcionar…

O resto (descer juros para evitar recessão, dar isto e aquilo a pessoa A ou B) é pura desonestidade… ou em português mais corrente, “venda de banha da cobra”

Favor aprender a fazer contas!

Preços de venda dos combustíveis
Presidente da Autoridade da Concorrência vai ser ouvido no Parlamento 
23.09.2008 – 17h10 Lusa
A Comissão de Assuntos Económicos da Assembleia da República aprovou hoje por unanimidade a audição urgente do presidente da Autoridade da Concorrência, Manuel Sebastião, pedida pelo PSD, sobre os preços de venda dos combustíveis ao público.

PSD anunciou na quarta-feira da semana passada o pedido de audição urgente do presidente da Autoridade da Concorrência e o requerimento foi hoje aprovado por todos os partidos na Comissão de Assuntos Económicos, faltando marcar a data da audição. 

No requerimento, o PSD referia não se verificar “por parte das gasolineiras um acompanhamento da tendência mundial da descida do preço do petróleo, cujo valor actual é cerca de 50 por cento inferior ao registado há cinco meses“. 

Os sociais-democratas pediram por isso “uma nova reunião com o regulador de forma a compreender as razões que explicam tanta demora da reflexão no mercado nacional da actual tendência internacional”.

Adorava que alguém me esclarecesse com que calculadora anda a bancada parlamentar do PSD a fazer contas (!!).

Máximo do crude: 147 USD
Mínimo do crude: 91 USD
Variação: -38.1 por cento
Máximo do euro na mesma altura: 1.60
Valor actual do euro no mínimo: 1.40
Variação: -12.5 por cento
Máximo do crude em euros: 91 Euros
Mínimo do crude em euros: 65 Euros
Variação para Portugal tendo em conta variação cambial: -28.5 por cento.

Se alguém me conseguir explicar de onde vieram aqueles 50 por cento, pago-lhe um almoço! 

Além da explicação obvia: de 100 para 150 são 50 por cento, de 150 para 100 são outros 50 por cento. Não são! São 33 por cento e isto não devia ser admitido nem a um aluno do 9ºano (estou a ser simpático)

Regular o que não se deve…

Que houve falhas de regulação no caminho para esta crise isso é evidente. Mas não sei se não se está a colocar a tónica na falha errada (desregulação). A verdade é que muita regulação vigente foi (bastante) mal construída.

Começando pelo Glass-Steagall Act, parcialmente repudiado em 1999 pelo Gramm-Leach-Bliley Act, no que diz respeito à exigência da divisão de facto entre banca comercial e banca de investimento. Eu não diria que esta – o fim do Glass-Steagall Act – é a causa do actual descalabro. Muito pelo contrário. Passo a explicar:
A divisão clara que era obrigatória pelo Glass-Steagall Act cria, na minha opinião, uma acrescida pró-ciclicidade no balanço dum banco. E aqui discordo profundamente do que dizem: o modelo que ruiu não foi aquele previsto num mundo sem “Glass-Steagall” (um mundo de “Broad Banking”) mas sim um mundo em que este estaria ainda em vigor: o mundo do Banco de Investimento independente. Foram exactamente esses que falharam, e os dois que sobraram foram no fim de semana, rapidamente passados a “banking holding”.
Reparem bem nas diferenças entre a UE e os EUA: o modelo de Wall Street era exactamente único a Wall Street. Não existem na Europa Bancos de Investimento “independentes”, mas sim, divisões de Banca de Investimento integradas numa holding bancária “tradicional”. Os problemas do Barclays, RBS, Deutsche Bank, UBS e HSBC, foram as suas divisões de investimento. A Europa é um mundo bancário sem “Glass-Steagall”.

E se pararmos 2 segundos – e nos afastarmos desta guerra preto-branco, socialistas-libertários – vemos que a separação entre um e outro – o modelo que morreu no fim de semana em Wall Street – é mau para o sistema. Uma divisão de investimento tem um aumento de fluxo de caixa – estou a simplificar – em épocas de crescimento. Mas em épocas de abrandamento, as pessoas tendem a tirar o dinheiro de investimentos e colocar nas suas contas à ordem e a prazo. Logo isoladamente os balanços são prociclicos, mas são-no em épocas diferentes: em Bull ganha o banco de investimento, em Bear ganha o banco a retalho, para simplificar. Torna-se então obvio: a separação dos dois aumenta o risco. O Broad Banking reduz o risco no balanço agregado. E veja-se a europa: a UBS safou-se, enquanto banco, porque a sua divisão de investimento teve “onde cair” – são os maiores wealth managers do mundo. O Deutsche Bank idem idem aspas aspas. Por contraponto, a Bear Stearns e a Lehman Brothers não tinham onde cair. Globalmente, eram pró-ciclicos, mas separados de uma unidade comercial: tal como estipulado pelo Glass-Steagall, embora já não em vigor.

Mas note-se também que a culpa do subprime não morre solteira em Wall Street, no que diz respeito ao Subprime. E se ninguém contesta o efeito (nocivo) da politica do Sr. Allan Greenspan (um dos pais desta alhada), frequentemente esquecemo-nos que Wall Street não criou o motor do subprime unica e exclusivamente por ganancia:

O Carter assinou o  Community Reinvestment Act que proibia os bancos de restringirem as suas ofertas de crédito a segmentos seguros e obrigando-os a alargarem-no ás chamadas «minorias», de mais elevado risco;

Clinton segue e alargou significativamente a base  do CRA, baixando significativamente os requisitos para se obter empréstimos, possiblitando e incentivando a concessão de emprestimos imobliários;

O Bush “filho” aprovou o The American Dream Downpayment Initiative que visava apoiar financeiramente a compra de casa por quem não reunia as condições para a obtenção de um empréstimo imobiliário, pretendendo, em cinco anos «criar 5 novos milhões de proprietários».

Por muito nobres e bem intencionados que foram (ou talvez, simplesmente eleitoralistas e populistas), esqueceram-se duma regra básica: risco pagasse! Mas na impossibilidade de “cobrar” esse prémio de risco, surgiu uma invenção: o modelo originação e distribuição. A culpa não morre mesmo solteira aqui.

No entanto concedo que falhou uma regulação: ainda estou para perceber por que raio as Credit Default Swaps ainda são OTC. Não me confundam, acho que um mercado OTC (desregulado, como OPEX, em Portugal) é extremamente útil. Permite a empresas pequenas financiarem-se e terem acesso a capital que de outra forma não teriam. O problema é tamanho. E isso vesse: quando uma empresa adquire tamanho > n, passa para mercado “normal”, passo a expressão, saindo de OTC. Isto faz sentido: size matters, os mercados são sistemas complexos, e como tal adquirem assimetrias de informação. Essas assimetrias devem ser combatidas, sob pena de “destruirem” o mercado (selecção adversa, problema principal-agente). O que eu não entendo é como é que se deixou que as Credit Default Swaps – um instrumento válido e com sentido – ganhassem o tamanho que ganharam permanecendo em OTC. Não há informação, logo o mercado “treme” sempre com a possibilidade de um unwind de CDS com uma grande falencia. Ninguém sabe quem deverá o que a quem… e aqui, os reguladores falharam de uma forma muito grave!

Como retirar uma porca da engrenagem…

Nada é mais destrutivo que um político em pânico. Isto é especialmente verdade em ano de eleições!

Embora concorde que, por vezes, a psique humana se sobrepõe – parcial ou totalmente – aos fundamentais, o que se passou ontem é grave e altera fundamentalmente essa premissa de análise.
Vamos lá ver as reais implicações da já famosa “proibição ao short selling”, anunciada pela Securities and Exchange Commission (SEC), o regulador do mercado bolsista norte-americano.
Ao contrário do que circula por aí, o short selling não só não é mau, como é uma peça essencial neste processo que é o mercado. Da mesma forma que quem considera uma acção subavaliada pode “comprar” essa acção, exercendo pressão conjunta para “alinhar” o preço actual com um “justo” (por justo, entenda-se, ditado pela força do mercado), o mesmo raciocínio aplica-se ao short selling. Mais grave ainda, o short selling é a principal ferramenta para redução da “assimetria” num mercado. Se toda a gente apenas executar compras, os preços tornam-se bolhas. Também é uma parte essencial no processo de arbitragem entre acções de vários mercados: por exemplo, empresas cotadas ao mesmo tempo na Europa e nos EUA. “Shorta-se uma, compra-se a outra” é o mecanismo que mantém as acções com o mesmo “valor”, e é isto que se chama arbitragem.

Short selling é também um dos principais mecanismos de redução de risco num portfólio. Se a alguns isto não parecer fazer sentido, pensem no seguinte: imaginem que vocês consideram que as empresas do S&P500 estão saudáveis (não estou a fazer considerações sobre se estão ou não… o ponto é o processo), mas não têm confiança nenhuma nos bancos. Imaginem que vocês querem ter exposição ao índice – não tendo carteira para comprar as 500 acções. Compram o CFD ou o ETF. Mas não vos faz sentir muito bem saber que 30% – proporção das financeiras nos resultados totais do S&P500 – daquilo é potencial downside de bancos (outra vez, não estou a fazer considerações que sim ou que não). Então “shortam” bancos, ou melhor ainda, “shortam” o índice/ETF dos bancos, na proporção de 1/3 da vossa posição.
Assim, vocês têm um portfólio imunizado ao sector bancário, mas sujeito aos movimentos das restantes empresas. Note-se que, muito poucos investidores são “short sellers” puros, mesmo os hedge funds. Isto porque, enquanto que em long o limite é +infinito, em short o limite é +100% (abaixo de zero não vão, como é óbvio). O short selling é usado como imunização e cobertura de risco por 90% do mercado com volume. É, alias, uma actividade mais perigosa devido a squeezes. Bem, esta ferramenta acabou de desaparecer…

Mas mais grave ainda são as consequências para o mercado de opções.
Opções são um dos derivados mais importantes, a par dos futuros. Dão-vos o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender um activo a preço x, em época y. Dão-vos certeza num ambiente de incerteza. A liquidez primária é market makers e especuladores que tomam a posição contrária. Mas mesmo a “especulação” é bastante mortal (mais mortal que forex). Quem negoceia warrants (ou como eu, já negociou) sabe: 99% morre sem valor, ou apanham com grandes perdas.
O mercado de opções também é uma enorme fonte de informação. O famoso VIX é calculado a partir da volatilidade implícita das options sobre o S&P500. Mede o prémio pago nas puts (opções de venda, onde quanto maior a volatilidade, maior o preço a pagar pela protecção), pelo que é a medida por excelência de risco. Muitas probabilidades, preços e medidas de risco são extraídas dos preços e volatilidades implícitas das opções. O problema aqui é que, de modo ao mercado de opções operar correctamente é condição necessária haver short selling! Passo a explicar: quando vocês querem protecção, o market maker tem que fazer um hedge ao seu “livro de ordens”. Se não o fizer, ele tem de vos cobrar um prémio mais elevado, tornando a protecção mais cara e, por consequência, tornando o mercado mais arriscado. A forma pela qual ele, market maker, faz isto é via short selling da acção subjacente.

 É por isso que as “protecções” têm preços razoáveis.Se não existir short selling, além de secar a liquidez no mercado (pensem no mercado de warrants em Portugal, para terem uma ideia de um mercado de options não líquido e manipulável), introduz prémios mais elevados nas puts. Pela put-call parity (uma put pode ser convertida numa call, uma opção de compra, e vice versa), torna as calls mais caras. No limite, isto pode levar a uma disrupção parcial ou total do mercado de opções, uma peça fundamental na gestão de risco.
E se as pessoas não podem, ou não têm dinheiro para cobrir os seus riscos – seja por não poderem shortar ou pelas puts estarem caras demais –, isso significa que preferem não comprar, dado que o investidor médio é avesso ao risco. E a ausência de compradores também provoca quedas, dado que quem que “oferecer”/vender, tem de ir baixando o preço à procura de alguém!
Uma outra nota importante da ausência de short sellers é que, em quedas, estes são os únicos que estão a comprar. À medida que o preço vai descendo, eles vão profit taking – comprando –, amparando a descida. À medida que esta abranda outros short sellers seguem na cobertura. O short selling tem uma função de “almofada”, almofada essa que não existe neste momento… Esta disrupção poderá significar o fim de muitos fundos, não só long-short hedge funds, mas fundos 130-30 e fundos de arbitragem, cujas contas estão precisamente em bancos importantes como a Goldman Sachs ou a Morgan Stanley (e a última coisa que estas firmas precisam é que fundos de investimento as forcem a encerrá-las).

Uma má ideia nunca vem só


Sobra uma questão, que muitos poderão fazer: os bancos, com isto, não vão descer mais?! Bem, isso não é necessariamente verdade. O problema reside no RTC-II. Para quem não sabe, o RTC-II é o Resolution Trust Corp, versão 2. Versão 2, porque a primeira versão surgiu no final dos anos 80, início dos 90. Quando as Savings & Loans faliram, a FDIC – a “seguradora” dos depósitos – ficou com imensos activos nas mãos. O RTC “original” serviu para vender esses activos no mercado aberto, e recuperar algum dinheiro perdido pelos contribuintes.

O problema aqui é que, embora tenha o mesmo nome – ao que parece vai ter, ainda não está confirmado –, é fundamentalmente diferente.
No último trimestre de 2007 surgiu a ideia do MLEC, também conhecido como “Super SIV”. Na altura em que o mercado de papel comercial falhou, pensou-se em criar um super fundo para armazenar o papel que o mercado não queria – ou pelo qual não estava disposto a pagar um preço alto. Note-se que este papel caiu, não por influência de “short sellers”, mas sim pela ausência total de compradores, forçando os “market makers” a anunciar bids sucessivamente mais baixos, de modo a descobrir alguém disposto a comprar.

A ideia falhou por duas razões fundamentais.
1• Os potenciais vendedores queriam “preços justos” – justos para os seus balanços, entenda-se;
2• Os potenciais compradores não estavam dispostos a oferecer “preços justos”, pois consideravam que estavam a pagar demais por “lixo”.
Ora, o RTC-II é a mesma ideia, mas agora em grande – a proposta de lei prevê um valor total de 700 mil milhões de dólares. E com uma diferença fundamental: desta vez é o contribuinte americano que vai para o “lugar do morto”.

Mas a grande questão nem reside aqui, mas sim no preço dado. Muitos bancos moveram muito deste papel – que já não transacciona – para Level 3 assets, ou seja, mark to model. Isto é uma grande palavra para “cria-se um modelo que dê o preço que nós queremos que isto valha”. Muitos bancos têm mais “dinheiro” aqui do que na conta de capital próprio dos seus balanços (a Goldman Sachs e a Morgan Stanley, por exemplo, estão nesta situação, entre outros). A desculpa, autorizada pelos reguladores, é “não existirem preços públicos”. Ora, o RTC-II divulgaria um preço “público”, e forçaria perdas nesta parte do balanço. A única maneira de evitar este cenário era não divulgar o preço das “compras” do RTC-II. Mas isto constitui dois problemas adicionais.
Em primeiro lugar, a confiança no sistema. Isto é, o “livro de regras do Japão”; e todos sabemos como essa feliz história acabou, com uma pequena diferença: o Japão tinha 30% de taxa de poupança. Os EUA são dependentes de “financiamento externo” e, em última análise, do seu Rating AAA

Ou melhor, da percepção do seu rating, porque mesmo que não o alterem, alguém julga que os investidores não vão exigir maiores prémios de risco, depois de medidas dignas de países como a Rússia, o Paquistão ou a Venezuela?

Em segundo lugar, não divulgando os preços, o RTC-II terá obrigatoriamente de exigir posições accionistas em troca (há mesmo quem argumente que isto acontecerá de qualquer maneira, porque os bancos serão descapitalizados pelas recentes medidas tomadas). Ora, isto significa uma coisa: diluição dos actuais accionistas. E para os que estão a pensar “diluição” pensem “preço desce”. Lembrem-se dos aumentos de capital dos bancos britânicos e o efeito no preço das acções dos mesmos, que desceram porque foram diluídas. A única diferença aqui é que o “subscritor” é o Estado.
E não se esqueçam que não há ninguém para amparar a queda, fazendo profit taking durante essa diluição, e as puts estão mais caras, pelo que a percepção de risco aqui irá ser maior, criando um efeito bola de neve no aumento do prémio de risco norte-americano.
É por tudo isto que, fazer contas ao fim da crise ou ao fim das descidas na bolsa, neste momento, é um exercício de “leitura de folhas de chá”, ou futurologia educada. O dólar estará sobre pressão, apenas com os bancos centrais do mundo como suporte, o mercado de opções pode ter disrupções, os hedge funds podem liquidar, preços podem ser descobertos…

O que se fez e anunciou sexta-feira, atrevo-me a dizer que ficará para a história como um dos maiores erros de intervenção, a par da descida até 1% por parte de Greenspan, ou a política japonesa durante a crise deles.
No entanto, espero, honestamente, estar profundamente errado!

Comentário a Miguel Frasquilho

O seguinte post é o comentário que deixei ao segunte post do 4R – Quarta República:

Caro Dr. Miguel Frasquilho,

 

Tenho o maior respeito intelectual por si, mas não posso concordar com as suas afirmações neste post, onde argumenta que a politica monetária actual do BCE é incorrecta, em oposição à política correcta da Reserva Federal (Fed).

 

Antes demais, se é verdade que os preços do crude WTI e Brent desceram bastantes desde os máximos, estando hoje abaixo dos 100 USD/barril – fruto da redução de quase 3 milhºões de barris/dia no consumo mundial no 1º Semestre de 2008 – e que Trichet sempre frisou a sua preocupação pelo efeito que o aumento de 2007 teria sobre a inflação da UE, a tónica do BCE, em todas as conferencias de imprensa recentes, foi sempre nas “expectativas de inflação” e nos “efeitos de segunda ordem”.

 

Trichet tem dito, quase até à exaustão, que o que o preocupa – correctamente na minha humilde opinião – é as “expectativas de inflação” que se entrenham no sistema via mercado obrigacionista – premios das obrigações de longo prazo. Alias, é conhecida a história dos anos 70 nos EUA: o problema eram as expectativas de inflação futura, que estavam de tal forma entranhadas na mente das pessoas, que a única forma de sair do problema foi aumentar a taxa Fed Funds para níveis a dois digitos e induzir uma recessão.

Não nos esqueçamos, em perfeita honestidade, um facto por demais referido pelo Sr. Trichet e que poucos poderão contestar: O mercado laboral europeu é muito mais rigido que o americano. A força dos sindicatos e da contratação colectiva faz-se sentir de forma mais alargada, e as renegociações salariais “indexadas” à inflação, embora que não de forma explicita, introduzem um mecanismo de espiral inflacionária que qualquer economista sabe e reconhece: os conhecidos “efeitos de segunda ordem”, que o BCE tem vindo a alertar, desde às uns largos meses a esta data.

 

É preciso também dar a cada um o seu: o primeiro banco a intervir em Agosto de 2007 – quando dois fundos da extinta Bear Stearns “implodiram”, dando começo à “crise do subprime” – foi o BCE, não a Fed. Alias, o BCE um ano antes tinha conduzido uma “simulação de preparação” – os mais militaristas podem chamar-lhe de “jogos de guerra” – vendo as possiveis reacções a uma crise “imaginária”, curiosamente (coincidencia) com os mesmo contornos da que se viria a desenrolar em Agosto do último ano.

 

Também é preciso referir que, até à data, todas as acções de politica monetária da Fed, além de altamente criticadas por alguns sectores do lado de lá do Atlântico – e não me refiro apenas ao libertário congressista Ron Paul – poucos efeitos produziram.

 

Por exemplo, e de forma algo privisivel e prevista por alguns analistas/ comentadores/ intervenientes no mercado, as taxas de juro das hipotecas pouco ou nada se alteraram. Uma hipoteca a 30 anos continua com taxas de juro de 5.81 por cento – valor actualizado à hora a que escrevo – perto do máximo de 1 ano. E não nos esqueçamos dum facto: a larga maioria das hipotecas nos EUA estão indexadas a maturidades acima dos 15 anos, não estão nas maturidades curtas, como por exemplo, em Portugal.

 

As taxas do mercado monetário também estão bem acima da taxa de referencia, um claro indicio de que a politica monetária seguida, em pouco ou nada ajudou. E mais importante, à altura desta escrita, a obrigação a 1 mês – que por norma se encontra próxima da taxa central – está neste momento com uma taxa de juro 0.30%, depois de ter estado durante o inicio da tarde “alegremente” nos 0.03%. Relembre-se a quem não é de Economia que a Fed baixa as taxas de juro “comprando” T-Bills no mercado (via a Fed de Nova Iorque), mas que se essa taxa estiver abaixo da sua, então não tem espaço para baixar as taxas. A estes niveis a condução de politica monetária torna-se ineficaz.

Também note-se que hoje a Fed foi autorizada a expandir o seu balanço em 40 mil milhões de dólares, no que se traduz na “impressão de notas”, factor inflaccionário, como sabe tão bem como eu.

 

E se, pelo lado do ajudar o consumidor endividado norte-americano o efeito foi próximo do zero, o mesmo não se pode dizer sobre o Dolar. E dado estatuto de reserva dessa moeda, a consequência prática foi um (dizem alguns, expectável dada a politica seguida pela Fed) aumento da inflação. A não ser que se acredite nos dados dos últimos três trimestres de PIB americano, com um deflator de preços a rondar os 1%, uma brincadeira matemática engraçada para esconder o que todo o americano já sente: uma recessão.

 

A Poltica da Fed tem sido tão boa, ou tão má, que as Credit Default Swaps (para quem não é economista – seguros sobre obrigações, o preço mede o risco percepcionado pelo mercado) sobre os EUA está a 0,30% – o dobro de países como Finlandia ou Austria. É curioso no entanto que dois países sob a egide monetária do BCE – Alemanha e França – são hoje considerados a par do Japão, os mais seguros do mundo.

 

Já para não mencionar o dobrar das regras como, permitir que os bancos usem depósitos para financiar as suas divisões de investimento, ou que possam financiar em mais de 10% as suas filiais ou, aceitar como colateral para empréstimos de liquidez todo o tipo de activos abaixo de investment grade (abaixo de rating AAA para os não economistas), tornando o balanço da Fed num autentico “show de terror” (também conhecido com “armazém de lixo tóxico).

 

No que diz respeito à recessão americana versus recessão europeia: que vamos ter uma, ninguém contesta. Agora, argumentar que a deles vai ser melhor é no minimo falacioso. Estamos a falar de um país com 0% poupança, sobre endividado ao resto do mundo, com deficits gemeos. E a verdade é que a actual politica da Fed conduziu a maiores taxas de juro – seja nos EUA, seja no exterior a emprestar aos EUA, com um maior premio de risco. Estamos longe do fundo na habitação, os inventários de casas não vendidas estão em máximos históricos.

Do lado europeu, embora com problemas – em especial o “Clube Med”, cuja responsabilidade económica e fiscal foi próxima de nula – a verdade é que:

  1. Os problemas no sector bancário estão a ser resolvidos pelo BCE com injecções de liquidez (o que não quer dizer que o BCE não tenha razão quando afirmou na última reunião que não está disposta a aceitar “lixo” como colateral, ao contrário da Fed),
  2. Taxas de juro a 4% quando a headline inflation está a 3,8% não é uma politica restritiva,
  3. Os dados vindos da Alemanha este mês indicaram um abrandamento muito menor que o esperado.

 

Existe também um ponto onde discordo totalmente consigo: a utilização de taxas de juro para impedir recessões. Isso seria o equivalente a fazer um contra fogo com Napalm, no meio do pinhal de Leiria.

 

Na minha humilde opinião,  a questão central numa recessão é a dor que implica.

Os agentes (alias, os seres humanos) só aprendem com os erros, quando estes inflingem dor. Senão, estamos a reforçar o processo mental do erro – psicologia 101: o cerebro é preguiçoso e reforça actos repetitivos se não vir mostras de falha no processo – falha essa que é tomada visivel ao mesmo pela via DOR (não me estou a refirir a dor fisica ou ir parar debaixo da ponte, obviamente).

É o mesmo com a poupança: as pessoas só aprendem a poupar “depois” de passarem dificuldades e se virem forçados a reavaliar as suas prioridades – algo que por exemplo em Portugal estão um pouco… trocadas.

É exactamente por a Economia ser feita de pessoas que o processo de transmissão de dor (vulgo, recessão) não deve ser evitado (embora deva ser minimizado… subsidio de desemprego é sempre preciso, ninguém quer ver pessoas debaixo da ponte). Se fossem robots bastava programar a taxa de poupança e consumo e deixar um programa fazer o processo de feedback.

 

Alias, despejar dinheiro em cima de um problema que começou exactamente por excesso dele é no minimo irresponsável. Vejamos por exemplo a AIG, para quem não percebeu o que se passou:

O problema da AIG, e das seguradoras em geral, é que o business model deles acenta no alinhar de activo e passivo. De forma simplista, temos um stream previsivel de “claims” (seguros a pagar) e temos cash flow na forma de premios. Pegasse nos premios e procurasse activos seguros que dêm um cash flow que seja igual ou semelhante às claims (dai nunca irem à falencia… é o melhor negocio deste planeta). O problema foi que em 2002/2003 as obrigações estavam com taxas de juro enterradas no chão porque Greenspan desceu as taxas até 1% (para impedir a recessão, dirão alguns). Não havia obrigações “seguras” para fazer o match dos passivos e cash flows, logo eles meteram-se em CDOs e MBSs (o que explodiu em agosto) e começaram a emitir seguros sobre obrigações (credit default swaps, um mercado que NÃO devia ser Over The Counter, e aqui temos uma enorme falha de regulação!!!)… o resto é mera consequência.

 

E para quem está a pensar, “então a solução é fazer nada?”:

A alternativa? A ir por uma solução “social” (ou seja, não estando disposto a deixar o mercado corrigir sozinho, o que pode ser “violento”, como deixaram na Coreia do Sul) então que se faça como os suecos no inicio dos anos 90 – eles tiveram uma crise semelhante:

1. Todos os bancos foram informados que tinham x dias para revelar TODAS as perdas;

2. Avaliar quem precisa e deve ser salvo e quem deve falhar;

3. Quem é salvo, é “nacionalizado”, o dinheiro inserido dos contribuintes torna-se acções, os restantes accionistas são “limpos do mapa”;

4. Limpasse a loja, partindo em bocados quem é grande demais;

6. Deixasse o mercado limpar o resto;

5. Voltasse a privatizar – se tudo correr bem o contribuinte ainda acaba a recuperar/ganhar dinheiro, como aconteceu na suécia…

 

Isto aconteceu em 1992, se não estou em erro. Curiosamente não ouvimos falar em bancos suecos no Subprime. 

E não foi preciso sobre-regulamentar os bancos, apenas inflingir dor no processo “de salvamento”. Não se devem dobrar as regras. Não se deve distorcer as normais decisões de investimento e poupança. A salvar, não se devem enfraquecer as instituições mais fortes para impedir que as mais fracas falhem – senão arriscaste ao fenómeno japonês: de 94 a 96 forçaram casamentos, em 97 aperceberam-se que já não havia instituições “fortes” e que tinham enfraquecido o sistema no processo – e os fortes casados tornaram-se grandes demais para falhar. O sistema teve de ser salvo por inteiro. 15 anos de “estagnação” e taxas a zero por cento foi o preço do erro (e é publico que eles admitem que foi um erro!).

 

Por tudo isto, eu pertenço aos (poucos) que afirmam: Graças a Deus que neste momento temos alguém com coragem à frente do BCE!!”